tons de dentro

notas soltas ou músicas completas vindas de dentro de mim...

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Localização: entre Aveiro e o Porto, Portugal

quarta-feira, junho 29, 2005

1899-2005

Estava a ver uma dos telejornais quando o meu pai lê em rodapé a morte de Emídio Guerreiro. Não tendo conseguido ouvir a notícia, mas sabendo da provecta idade da pessoa, vim pesquisar na Internet a biografia.
Realço apenas algumas coisas curiosas:
  • viu nascer o morrer a ditadura em Portugal;
  • atravessou duas Guerras Mundiais;
  • assistiu à Revolução de Abril;
  • e, atravessou 3 séculos!
Coisa gira, esta da longevidade!!!! Achei fantástico! 3 séculos!!! Eu, nem que me esforce (que não esforço) por levar uma vida regrada, mesmo que tenha cuidados adicionais em tudo o que faço no dia-a-dia, jamais atravessarei 3 séculos! E tenho pena... Atravesso dois (esses já não mos tiram), assisto ao alterar do curso da História, mas jamais conhecerei a vida do século seguinte! E tenho pena... Não assistir às (r)evoluções das sociedades e das mentalidades deixa-me um sabor amargo, de não conhecer tanta coisa! E tenho pena... Resta-me esperar voltar a este Mundo em outro corpo, mas não acredito na reencarnação das almas! E, se calhar, tenho pena...
Terá ficado muito desta história tri-centenária por contar e todos teremos pena! Mas na vida tudo acaba! A de Emídio Guerreiro acabou hoje e só queremos que descanse em paz! Mas a sua ida deixa-me com pena...

quarta-feira, junho 15, 2005

Boa noite, eu vou com as aves...

A 13 de Junho acordei com uma notícia que, infelizmente, esperava, mas que naturalmente não queria: tinha morrido Eugénio de Andrade! Desde que me lembro de ler poesia que o tinha como um dos meus poetas preferidos (confesso que vou gostando hoje mais de outros, a quem nunca tinha dado grande atenção). Senti uma coisa estranha, um misto de tristeza e de contentamento; tristeza porque a Língua Portuguesa perdia um dos seus grandes amantes, e de contentamento por saber que essa coisa do dom da escrita, faz dos que o têm seres imortais!
Estava ainda meia atordoada com a notícia quando me pedem que resolva no Porto uma questão para os meus pais. Disparatei um bocado (porque era feriado e não me apetecia ir à Invicta), mas aceitei quando oiço na televisão que o corpo do Poeta estaria na Cooperativa Árvore, para que os seus leitores, amigos e familiares lhe pudessem prestar a última homenagem. E lá fui eu.
Esta coisa da contemporaneidade é especial... Detive-me uns minutos na presença da urna do Poeta, a ler (ou a tentar ler) o poema que estava afixado na parede ("As Maçãs"), mas outros mais me iam surgindo na cabeça, como marca verdadeira de leituras feitas em outros tempos e releituras mais recentes! O momento é introspectivo, é literário, é meu! E quando consegui parar a roda de poesia e emoção que me ia no espírito, pensei apenas: "Vim aqui para te agradecer, Eugénio, toda a poesia que nos deste! E agora, tu vais com as aves..." Saí da Cooperativa certa de que vivi um momento único, porque do "país dos poetas" resta pouco. Eugénio foi dos últimos a fazer do verso, da rima e da estrofe uma forma especial de escrever português, de sentir português!
Descansa em paz!!


As Amoras

O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.


Eugénio de Andrade, O Outro Nome da Terra

sexta-feira, junho 10, 2005

Sentimentos de um país, de uma língua, III

Camões

Nem tenho versos, cedro desmedido,
Da pequena floresta portuguesa!
Nem tenho versos, de tão comovido
Que fico a olhar de longe tal grandeza.

Quem te pode cantar, depois do Canto
Que deste à pátria, que to não merece?
O sol da inspiração que acendo e que levanto
Chega aos teus pés e como que arrefece.

Chamar-te génio é justo, mas é pouco.
Chamar-te herói, é dar-te um só poder.
Poeta dum império que era louco,
Foste louco a cantar e louco a combater.

Sirva, pois, de poema este respeito
Que te devo e professo,
Única nau do sonho insatisfeito
Que não teve regresso!


Miguel Torga
10 de Junho-Por Portugal, por Camões e pelas comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo!


quinta-feira, junho 09, 2005

Sentimentos de um país, de uma língua III

Pátria

Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro
Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exatidão
Dum longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento

E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

— Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro

Eu minha vida daria
E vivo neste tormento


Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, junho 08, 2005

Sentimentos de um país, de uma língua II

O mundo é grande

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, junho 07, 2005

Sentimentos de um país, de uma língua...

O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguez..
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa, in A Mensagem