tons de dentro

notas soltas ou músicas completas vindas de dentro de mim...

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Localização: entre Aveiro e o Porto, Portugal

quarta-feira, junho 15, 2005

Boa noite, eu vou com as aves...

A 13 de Junho acordei com uma notícia que, infelizmente, esperava, mas que naturalmente não queria: tinha morrido Eugénio de Andrade! Desde que me lembro de ler poesia que o tinha como um dos meus poetas preferidos (confesso que vou gostando hoje mais de outros, a quem nunca tinha dado grande atenção). Senti uma coisa estranha, um misto de tristeza e de contentamento; tristeza porque a Língua Portuguesa perdia um dos seus grandes amantes, e de contentamento por saber que essa coisa do dom da escrita, faz dos que o têm seres imortais!
Estava ainda meia atordoada com a notícia quando me pedem que resolva no Porto uma questão para os meus pais. Disparatei um bocado (porque era feriado e não me apetecia ir à Invicta), mas aceitei quando oiço na televisão que o corpo do Poeta estaria na Cooperativa Árvore, para que os seus leitores, amigos e familiares lhe pudessem prestar a última homenagem. E lá fui eu.
Esta coisa da contemporaneidade é especial... Detive-me uns minutos na presença da urna do Poeta, a ler (ou a tentar ler) o poema que estava afixado na parede ("As Maçãs"), mas outros mais me iam surgindo na cabeça, como marca verdadeira de leituras feitas em outros tempos e releituras mais recentes! O momento é introspectivo, é literário, é meu! E quando consegui parar a roda de poesia e emoção que me ia no espírito, pensei apenas: "Vim aqui para te agradecer, Eugénio, toda a poesia que nos deste! E agora, tu vais com as aves..." Saí da Cooperativa certa de que vivi um momento único, porque do "país dos poetas" resta pouco. Eugénio foi dos últimos a fazer do verso, da rima e da estrofe uma forma especial de escrever português, de sentir português!
Descansa em paz!!


As Amoras

O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.


Eugénio de Andrade, O Outro Nome da Terra