tons de dentro

notas soltas ou músicas completas vindas de dentro de mim...

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terça-feira, julho 05, 2005

Os amigos

Os amigos
O jornal "Público" tem a decorrer uma colecção interessantíssima. Os poemas da minha vida, são produto da leitura de algumas figuras públicas que, além de nos abrir o horizonte em termos poéticos, nos faz reflectir sobre as nossas próprias leituras. Estava a ler a colectânea de Mário Soares e surge-me um poema que me fez lembrar um acontecimento pessoal.
O meu pai teve um professor de Português no Liceu de quem ficou amigo até que a caminhada terrena do Mestre terminou. Lembro-me bem desse dia de Carnaval em que vi o meu pai comovido... Nas horas que passavam juntos, quando a doença ia alastrando, o Professor lamentava-se muito da ausência dos amigos e referia com frequência um poema de Camilo Castelo Branco.
Hoje ao ler a colectânea da autoria de Mário Soares encontrei-o e resolvi colocá-lo aqui, para que sirva de meditação.
Na nossa vida, quantas vezes já não sentimos os lugares dos amigos vazios? Quantas vezes os nossos caminhos se afastaram dos deles? Quantas vezes sentimos que estão perto nos bons momentos e desaparecem, qual fumaça, nos momentos mais duros?
Tantas e tantas vezes eles fizeram falta... Tantas e tantas vezes esperámos por eles... Tantas e tantas vezes eles não vieram, não ligaram... Tantas e tantas vezes perdoamos estas ausências, porque eles, afinal, são nossos amigos, pedaços imutáveis da nossa história pessoal, pedaços de nós...
Assim, ao meu pai e ao seu saudoso Mestre, aqui fica este soneto de Camilo.

Os amigos

Amigos cento e dez, e talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia!
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.

Amigos centos e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que eu, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

-Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego não nos pode ver...
Que cento e nove impávidos marotos!


Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825/1890)